Abaixo, alguma opiniões sobre religião e ensino de ciência discutidos entre um teólogo e uma das maiores cientistas do Brasil, a geneticista Mayana Zatz. Leia e reflita. Concorde ou discorde, mas pelo menos, conheça um ponto de vista que é no mínimo, instigante.
Religião e ensino da ciência 
"Doutora Mayana, sobre sua exposição em Veja.com desta semana, quero manifestar minha opinião sobre religião e ciência. Acredito que muita discussão tem levado ao atraso as pesquisas científicas no nosso país, entretanto, tal fato ocorre em decorrência da falta de informação pelos cientistas, pois acredito que quando tudo se tornar transparente os religiosos, com certeza, se aliarão aos cientistas no sentido de salvar vidas. Esta, afinal, é a missão dos religiosos. Tenho acompanhado as discussões sobre o assunto, principalmente o desenvolvimento do seu trabalho. Como leigo vejo com bons olhos e gostaria muito que tais avanços científicos pudessem trazer a solução para meu neto e para todos que necessitam. Oro todos os dias a Deus para que lhe dê sabedoria. Por favor, não nos culpe por sermos religiosos, mas tenha tolerância com a nossa pouca cultura científica o que nos torna ignorantes no assunto. Felizmente Deus levantou pessoas como você para esta área que cuida dos doentes e a mim para cuidar dos doentes do espírito."
(Angelo Medrado, teólogo)
Ser cientista no Brasil 
Muito obrigada por seu e-mail, querido reverendo. Chegou quando o ano de 2008 começa para nós brasileiros, como de praxe, logo após o Carnaval. Será que todas aquelas intenções da virada do ano vão se concretizar? Vou fazer regime, vou fazer ginástica, vou dar mais atenção aos meus filhos, vou trabalhar mais. Ou, vou trabalhar menos e me divertir mais....... Acabo de voltar da Inglaterra onde passei uma semana visitando laboratórios, conversando com cientistas, planejando pesquisas colaborativas, vibrando com os novos avanços científicos. O que faz a ciência andar tão rápido naquele país? Nós brasileiros temos de ser ao mesmo tempo cientistas, professores, administradores (muitas vezes tentando fazer milagres com poucos recursos) e até despachantes (para agilizar a liberação de material importado, indispensável para as pesquisas). Enquanto o cientista inglês pode dedicar-se integralmente ao seu projeto.
Na área de saúde, por exemplo, os pesquisadores que trabalham com ciência básica ficam só no laboratório, em dedicação exclusiva, sem precisar se preocupar com os pacientes. Têm um tempo enorme para pensar, avaliar os resultados, discutir com seus pares, planejar novas experiências. No avião de volta ao Brasil, eu não parava de pensar: será que vou conseguir me envolver de novo em todas essas atividades além dos muros da Universidade? A tentação de esquecer o mundo lá fora e voltar a ser só cientista, enfurnada no laboratório com meus alunos é enorme..... E de repente, esse seu e-mail, caro reverendo, além de me emocionar muito, me traz de volta a nossa realidade. Já incorporei mais um desafio. Como contribuir para melhorar o conhecimento científico dos religiosos?
A cultura científica e a clonagemA sua constatação me fez lembrar um episódio que vivi recentemente com uma jornalista que trabalhava para um jornal ligado à área econômica. Ela me ligou dizendo que estava escrevendo um artigo sobre clonagem e queria falar com um (ou uma) especialista para entender mais do assunto. Exatamente o que você quer saber, perguntei? Tudo. Todos os detalhes de como se faz a clonagem, respondeu de pronto. Bom, vou ter que voltar à ovelha Dolly e começar daí, pensei. Mas antes de iniciar minha explicação científica perguntei: você tem certeza que seus leitores querem saber todos esses detalhes técnicos? Claro, retrucou imediatamente. Todo mundo quer saber como se faz clonagem de telefone celular. Caí na gargalhada. Acho que você está falando com a pessoa errada. Sou uma geneticista, não entendo nada de telefonia. Aliás, também gostaria de saber como é possível "clonar" um telefone celular. Aí, foi ela que começou a rir. Mas isso me mostrou que tínhamos que ensinar mais ciência aos jornalistas. E foi o que fizemos. Logo em seguida, organizamos um curso para jornalistas e interpretes. Espero que tenha sido útil.
Religião para os cientistas e ciência para os religiososNão há dúvida que os cientistas têm muito a aprender com os ensinamentos das religiões. Sem essa exposição, que a maioria de nós teve pelo menos em algum período da vida, não temos como decidir se queremos ou não abraçar alguma religião, com maior ou menor fervor. Ou simplesmente ater-nos aos seus ensinamentos básicos, já que elas têm muito em comum. Do mesmo modo, reverendo Ângelo, estou convencida que o ensino de ciências aos religiosos seria uma iniciativa excelente, pois concordo que muitos não tiveram a oportunidade de ter um aprendizado científico atualizado e de qualidade.
Um leitor da VEJA acaba de me escrever dizendo que não tenho o direito de interromper uma vida, no caso, a dos embriões congelados. Será que ele entendeu que essa vida não começou e nunca existirá porque esse embrião nunca foi e nunca será inserido em um útero? Lembro-me que antes da votação da lei de biossegurança em 2005, que permitiu as pesquisas com células-tronco embrionárias, conversei muito com um importante líder da Igreja católica, um homem de grande cultura e sabedoria. E ele me disse: "a história tem mostrado que a Igreja muda de posição. Não desista dessa luta!"